domingo, março 11, 2012

Não há maior cliché que a primavera

To see a world in a grain of sand And a heaven in a wild flower, Hold infinity in the palm of your hand And eternity in an hour.
William blake

Em plena incursão improvável da primavera a fingir que chegou mais cedo há um certo animal rasteiro que se esgueira da toca à procura do calor de sempre. Sabemos nós que a criatura é desconfiada, sabe ela que não há conforto grátis. Mas parece-lhe o sol inteiro a bater-lhe na pele, a primavera inteira a entrar pela toca. Sabe que não mas deixa-se enganar... Sabe que é desse deixar que vive a esperança. A esperança... Não a fé, que essa ele sabe caber na palma da sua mão. Mas não tem grandes ilusões, o calor não é suficiente mesmo que pareça. Fogem-lhe as horas por entre os dedos, sente-se réptil e sabe que tem vida curta. Já falta pouco... Há que fazer muito, o tempo é escasso... Agarra o infinito, mede o tempo para a eternidade... E vê o mundo num raio de sol.

 E crocodilo que é cuida da toca... Que é sua... É ele que a escava conforme lhe apetece... é também casa... e umbigo.

já não há inquietações...

terça-feira, dezembro 27, 2011

a folha

Um dia um réptil rasteiro partiu um coração. Tornou-se fantasma de afectos quebrados abruptamente. Tornou-se transparente, mas não cristalino. Uma memória leitosa de bons momentos tornada opaca pelo resultado. O mundo virou-lhe as costas no momento em que pôs um ovo. Cavou mais fundo a sua toca e escorregou para onde sabia merecer. Ficou no escuro… não houve lágrimas por saber quem era, se as houvesse sabia serem incontornavelmente de crocodilo. Secou. Cresceu. Engoliu. Esqueceu (mentira). Saiu.

Visitou outra toca à pouco tempo e encontrou uma música que imaginou ser para si (mesmo que não fosse). Sentiu-se fantasma outra vez… olhou à volta e a toca era branca, não era definitivamente a sua… sentiu-se mal por se sentir tão bem e por isso voltou para trás.

Não foi capaz de deixar um desenho. Não foi capaz de escrever um poema. Deixou a folha (que era a toca) em branco.

sábado, dezembro 24, 2011

De velho aqui

Tento agora limpar o escuro de um blogue abandonado, antiga toca de um réptil que regressa de vez em quando para se ver ao espelho… mas não é capaz de entrar. Tem as mãos (patas) enferrujadas. Pensa que se perdeu num pragmatismo de vida urbana que toma como sua mas sabe que não deve ser, não é bem de lá que vem.

Pensa-se crocodilo, mas ao espelho vê-se mala… ou pulseira de relógio, uma versão processada daquilo que foi e que se viu a vir a ser, versão ao lado. Mas o bicho continua tatuado no braço. E é da tinta preta que ainda saem as letras com que tenta escrever um dia após o outro em coerência com a criatura que cada vez menos consegue ver. Re-visita-se neste ninho virtual a que já chamou casa e lê o que já sentiu a sentir que sente ainda a mesma coisa. Sente-se por isso jovem mas sabe que é mentira. O tempo foi passando e o espelho já não é o mesmo. Ou o reflexo já não é o mesmo… agora há outro, que apesar do mesmo é mesmo outro (já não consegue enganar).

Limpa de novo o escuro do espelho… escreve um texto para não publicar.

Mas já o escreveu. Já o colou mesmo sem ainda o fazer… falta o click, a selecção, a revisão… mas já o escreveu. Mas o click é uma questão de… click!

quarta-feira, janeiro 02, 2008

segunda-feira, outubro 22, 2007

INQUIETAÇÃO

Sob a qual estão as brasas que nos mantêm aos saltos, que queimam as solas e renovam a pele. Que ata o estômago e desata a mente e a faz correr cega contra a parede. E bate… e levanta-se… e torna a bater… e acomoda-se… e desinquieta-se…


E pára….



E estagna…


E desaparece no meio da estranha neblina da felicidade acomodada. E a mente já não se inquieta, não se exercita, fica gorda, suada, mórbida, presa à cama. Deixa de poder sair… não cabe na porta.


.
Fica cega…
.
.
.
Não vê para a frente;

Deixou de olhar para trás…
.
.
.
.
Mas nunca totalmente cega…

É reversível o processo…

Basta percebê-lo, abrir um olho, sentir as pregas da barriga…

E reacendem-se as brasas, corre-se, salta-se, atam-se novos nós no estômago, curtem-se de novo as pequenas infelicidades…

…emagrece-se.

Sai-se novamente da porta.

Sofre-se com gosto.

Re-inquietação.

Re-desinquietação.

Re-inquietação.

Respira.

Re-expira.

domingo, setembro 23, 2007

Não sei me repita, se me deito fora, se me rasgo em mil bocados, se me volto a colar com fita cola. Se me reavalio, me reconstituo, me faço parar e me recomeço…. Me reinvento. Falta-me o primordial e umbilical objectivo de ser para que saiba depois o que fazer. Como saberei eu o que fazer comigo se não sei realmente o que sou e para que sirvo?


Derrotista? Pessimista?



Não me parece.



Parece-me que quem resolveu esta questão passou-lhe à frente, contornou, não evitou numa preguiça comodista e saudável. Esse sim o verdadeiro e honesto (?) modo de bem viver. Mas e se fosse questionado?… Se fosse realmente imperativo saber… Escolheria certamente a religião à resposta simples: Somos feitos para comer, foder e morrer.



E como é que se encaixa aqui uma inquietação?

quinta-feira, setembro 13, 2007

Um tempo que passou

Vou
uma vez mais
correr atrás
de todo o meu tempo perdido
quem sabe, está guardado
num relógio escondido por quem
nem avalia o tempo que tem

Ou
alguém o achou
examinou
julgou um tempo sem sentido
quem sabe, foi usado
e está arrependido o ladrão
que andou vivendo com meu quinhão

Ou dorme num arquivo
um pedaço de vida
a vida, a vida que eu não gozei
eu não respirei
eu não existia

Mas eu estava vivo
vivo, vivo
o tempo escorreu
o tempo era meu
e apenas queria
haver de volta
cada minuto que passou sem mim

Sim
encontro enfim
iguais a mim
outras pessoas aturdidas
descubro que são muitas
as horas dessas vidas que estão
talvez postas em grande leilão

São
mais de um milhão
uma legião
um carrilhão de horas vivas
quem sabe, dobram juntas
as dores colectivas, quiçá
no canto mais pungente que há

Ou dançam numa torre
as nossas sobrevidas
vidas, vidas
a se encantara se combinarem vidas futuras

Enquanto o vinho corre, corre, corre
morrem de rir
mas morrem de rir
naquelas alturas
pois sabem que não volta jamais
um tempo que passou

(Ou dançam numa torre...)

(Enquanto o vinho corre, corre, corre...)

Música: Sérgio Godinho
Letra: Chico BuarqueI
n: "coincidências" 1983

E passa sempre o tempo e para mim passou. E cada vez mais passa e cada vez mais estou consciente que passa e que passou e que muito ficou e que já não chegará e que não chega e que não volta para trás e o cliché que isto é… mas é sério, é grave e não tem solução. E o vinho corre, corre, corre…. E escorre-me dos lábios para fora porque é muito e não é demais, mas a boca é pequena, não dilata, engasga-se e deixa que se absorva na camisola que não tem culpa e espalha-se no chão… em segunda mão. E olho para os tijolos da minha parede e estão mal dispostos e mal dispostos e apetece-me que se partam e que surjam novas paredes, mas surgirão também tortas, mas serão outras, CONVULSÃO!! Onde está o arquivo? Qual é a gaveta? Onde está escondido?

Lambo sofregamente o vinho do chão. Acabaram-se as férias.

E vou tirando devagarinho as teias de aranha